sábado, setembro 22, 2012

A corrupção e o povo

Análise: corrupção indireta trai os interesses do cidadão do país
IVAR A. HARTMANN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os brasileiros conhecem muito bem a corrupção caracterizada pelo suborno: um funcionário público ou agente político recebe um valor determinado para fazer algo específico. Mas essa corrupção quid pro quo não é a única existente. A corrupção indireta opera pelo comprometimento sistematizado e contínuo de parlamentares em razão de auxílio no financiamento de campanha. Quando um partido político assume dívidas de campanha de outros partidos tem-se já a corrupção indireta.

O professor Lawrence Lessig, de Harvard, recentemente mostrou em um livro muito comentado a dimensão do problema nos Estados Unidos. Lá, assim como no Brasil, grupos de interesse privados podem dar dinheiro para a campanha de um candidato ao Poder Legislativo. Mas os candidatos não são "comprados", no estilo do suborno. A corrupção se dá porque a classe política inteira é lentamente acostumada a depender "" para a reeleição "" da ajuda financeira de grupos particulares.

Se um deputado federal sabe que os empresários ruralistas têm muito dinheiro para doar, por que ele iria votar a favor de um Código Florestal que prejudica um futuro potencial financiador? Por que um deputado defenderia os interesses de presidiários que não têm dinheiro para sua campanha? A reeleição significa a sobrevivência para um parlamentar. Com isso, os grupos com dinheiro influenciam as decisões tomadas pelos legisladores "" sem nunca sequer pedir qualquer favor.

É a democracia distorcia. E quando membros do Partido dos Trabalhadores afirmam que "apenas" pagaram dívidas de campanha de outro partido, estão contribuindo para essa distorção. Não há dúvida: esse problema é tão ou mais grave quanto o suposto esquema denominado de Mensalão.

O atual julgamento marca uma oportunidade única para exigir uma democracia na qual o legislador represente todos os eleitores brasileiros, e não apenas os grupos "" empresas ou partidos políticos "" com dinheiro. O debate deve ser abrangente, incluindo outras questões como a possibilidade de que a definição da corrupção englobe também o loteamento político de cargos em comissão. A corrupção indireta atualmente não é ilegal, mas deve ser entendida pelo que é: a traição dos interesses do cidadão brasileiro.

IVAR A. HARTMANN é pesquisador da FGV Direito-Rio.

Fonte: http://m.folha.uol.com.br/poder/1157591-analise-corrupcao-indireta-trai-os-interesses-do-cidadao-do-pais.html